Quadrilha distribuiu R$ 35 mi em propina
Um esquema de fraude que visava à obtenção de lucros por meio da inspeção veicular no Rio Grande do Norte e iniciado no governo Wilma de Faria (PSB), resultou na prisão de nove pessoas, além de pedidos de busca e apreensão dos envolvidos diretamente no escândalo. Em um trabalho conjunto do Ministério Público Estadual e a Polícia Militar, a primeira prisão foi efetuada nas primeiras horas de ontem, quando o ex-deputado federal e suplente de senador João Faustino (PSDB) foi detido e levado ao Quartel Geral da PM. Ele teria ligação direta no esquema que causaria prejuízos à economia do Rio Grande do Norte por meio de ações que envolveriam o Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN). A operação "Sinal Fechado", que culminou com apreensão de documentos e prisões ontem, foi iniciada a partir de e-mail que teria sido passado ao atual governo por um dos envolvidos diretos no projeto. Segundo o MP, além de João Faustino e Wilma de Faria, o ex-governador Iberê Ferreira de Souza (PSB) também seria parte interessada na ideia de lesionar o Estado e ele teria recebido R$ 1 milhão para apoiar, administrativa e politicamente, o plano iniciado em 2008.
Por meio de autorização judicial, o MP passou a investigar os acusados por meio de escutas telefônicas, as quais constam da petição enviada à juíza da 6ª Vara Criminal de Natal, Emanoela Cristina Pereira Fernandes. Em um dos trechos, o empresário Alcides Fernandes Barbosa comenta com George Anderson Olímpio da Silveira (apontado como o cabeça do esquema) que teria dado R$ 1 milhão ao então governador Iberê Ferreira de Souza, além de R$ 10 mil a João Faustino e R$ 10 mil a Lauro Maia (filho da ex-governadora Wilma de Faria e apontado como testa-de-ferro da mãe no esquema).
De acordo com as interceptações telefônicas, o projeto que culminaria com a efetivação da inspeção veicular no Rio Grande do Norte não teria sido elaborado pelo Governo e que George Anderson Olímpio repassou o documento para que a então governadora Wilma de Faria enviasse para a Assembleia Legislativa.
O esquema foi iniciado a partir de um convênio - considerado fraudulento pelo Ministério Público - envolvendo o Detran e o Instituto de Registradores de Títulos e Documentos de Pessoas Jurídicas do Rio Grande do Norte (IRTDP/RN), articulado por Olímpio e com a participação do então diretor do Departamento Estadual de Trânsito, Carlos Theodorico de Carvalho Bezerra, e do ex-procurador-geral do órgão, Marcus Vinícius Furtado da Cunha. O convênio versava para pagamento, em cartório, de taxas relacionadas a veículos novos e usados. Como a parceria foi questionada judicialmente, o grupo tratou de exportar ideia que estava dando certo em São Paulo: a inspeção veicular.
A partir da discussão nacional acerca da inspeção veicular em automóveis com segundo emplacamento, o grupo teria replanejado a ação para aprimorar seus lucros. Inclusive, segundo consta da petição judicial enviada à juíza da 6ª Vara Criminal de Natal, a quadrilha teria elaborado o projeto e encaminhado a licitação pronta ao Detran, tendo também atuado na desqualificação das demais empresas que participaram de todo o processo licitatório.
Passado todo esse processo, o grupo criou o Consórcio Inspar, que seria responsável pela inspeção veicular no Rio Grande do Norte. O Ministério Público afirmou que os ex-governadores Wilma de Faria e Iberê Ferreira de Souza foram cúmplices de toda a ação que resultou na Lei 9.270/09, sancionada por Wilma e mantida por Iberê.
Ao todo, o Consórcio Inspar teria pago R$ 35 milhões em propinas para obter o direito de atuar na inspeção veicular no Rio Grande do Norte por 20 anos, prazo em que estimava obter lucro de R$ 1 bilhão.
Juíza pede bloqueio de bens de todos os envolvidos
A juíza da 6ª Vara Criminal de Natal, Emanoela Cristina Pereira Fernandes, atendeu pedido do Ministério Público e pediu o bloqueio dos bens dos acusados pela operação "Sinal Fechado". As contas bancárias dos envolvidos diretamente no esquema de fraude que culminou com a escolha do Consórcio Inspar para fazer a inspeção veicular no Rio Grande do Norte também podem ser bloqueadas. O objetivo é analisar as movimentações financeiras e fazer comparação com o montante de R$ 35 milhões pagos em propina para agentes públicos, empresários e políticos.
No caso do ex-governador Iberê Ferreira de Souza, contra quem existem elementos suficientes e que comprovam que ele teria recebido R$ 1 milhão em propina, a juíza da 6ª Vara Criminal de Natal determinou o bloqueio de todos os seus bens. Além de Iberê, outras 14 pessoas e 10 empresas envolvidas diretamente no esquema fraudulento também foram alvo da mesma decisão da juíza.
A ex-governadora Wilma de Faria e o filho dela, Lauro Maia, não foram atingidos pela medida judicial. Apesar de ser apontado como beneficiário de proposta de R$ 10 mil mensal, além de participação no lucro que o Consórcio Inspar iria ter no Estado, o filho da ex-governadora não figura na lista dos que terão as contas investigadas.
Lauro Maia aparece em processo semelhante, no qual ele é tido como facilitador de fraudes na Fundação José Augusto, no que diz respeito à liberação de verbas para eventos culturais que não aconteceram na gestão Wilma de Faria.
Grupo buscou apoio político para rever quadro
A partir do momento em que o então governador Iberê Ferreira de Souza não renovou seu mandato, nas eleições de 2010, o grupo começou a desconfiar de que o plano poderia não vingar e buscou a interferência política para tentar se manter no comando da inspeção veicular no Rio Grande do Norte. De acordo com o Ministério Público, a quadrilha passou a pensar em possibilidades diversas, como a influência do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), sobre o vice-governador Robinson Faria (PSD), bem como na ligação política do ex-deputado e suplente de senador João Faustino com a governadora Rosalba Ciarlini (DEM), através do senador José Agripino Maia (DEM).
Segundo o Ministério Público, quando a atual administração estadual percebeu falhas administrativas na licitação que culminou com a escolha do Consórcio Inspar para fazer a inspeção veicular, o grupo começou a traçar planos para persuadir a governadora Rosalba Ciarlini a não cancelar o processo que havia sido finalizado na gestão anterior.
Além de Kassab, Robinson Faria e João Faustino, o grupo teria conversado com o ex-chefe da Casa Civil do Governo do Estado, Paulo de Tarso Fernandes, e também com o ex-deputado estadual Carlos Augusto Rosado (DEM), marido da governadora Rosalba Ciarlini. Carlos teria dito que o governo não tinha interesse em discutir o assunto. O vice-governador Robinson Faria teria dito que o plano seria audacioso e que não participaria dele. Que não queria encrenca.
Fonte: Jornal de Fato